segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Na barca tailandesa



Dizia Saint-Exupery que é preciso tolerar as lagartas, se quisermos ver as borboletas.
Na Ásia, é preciso olhar além da primeira impressão que desaponta nosso olhar asséptico ocidental.
A Tailândia, país do qual eu esperava tanto, a princípio foi apenas choque e horror.  

Cheguei em Bangkok de madrugada, com minha filha, e fomos direto para um hotel próximo ao aeroporto, pois na manhã seguinte, bem cedo, pegaríamos outro vôo para Krabi.
O hotel, para nosso espanto, embora houvesse confirmação da operadora de cartao de crédito, não havia confirmado nossas reservas, não aceitava cartão de crédito, tivemos de deixar quase todo o nosso dinheiro em papel para pagar a diária  (e, mais tarde, umamaratona de telefonemas e mensagens  para reaver o dinheiro creditado em nosso cartão); as acomodações eram bem simples, e saímos sem café da manhã, pelo menos pudemos levar bolachas do frigobar, e, na saída do aeroporto em Krabi, mal houve tempo para pegar uma água, pois os motoristas já estavam nos apressando, para não perdermos a conexão que nos levaria a Kho Pee Pee, nosso destino final.
Calor intenso, guias e motoristas que só falavam tailandês (havíamos pago com antecedência por estes transportes, imaginando que seriam de qualidade), ruas sujas, estradas longas…eu só queria chegar em algum lugar onde pudesse comer, lavar o rosto, usar um banheiro.
Na rodoviária de Krabi, os felizardos que iam ficar por lá puderam aproveitar uma pausa para degustação, mas nós fomos apressados a mudar de ônibus  sem mais delongas, por causa do horário da embarcação… e lá fomos, sem banheiro e sem lanche, quase meio dia, para outro longo percurso até o meio do nada, até uma enorme fila de pessoas que desciam de outros ônibus, para entrar na barca com destino a Kho Pee Pee. Um verdadeiro desfile de etnias, muitas famílias com crianças, muitos grupos de mochileiros identificados por camisetas iguais em todos os alfabetoes imagináveis.
Era passar por um corredor, entregar a entrada, seguir por uma longa ponte, entrar na barca. No convés, malas e gentes amontoadas sob o sol, mal havia espaço para pisarmos uma estreita trilha para os andares abaixo, de onde, se não veríamos plenamente a paisagem, pelo menos estaríamos à sombra.  De cada lado, enormes recipients, onde se podia deixar a bagagem – minhas malas eram grandes e estavam com cadeado – porém muitas pessoas, com mochilas, sentavam-se abraçadas com seus pertences. Quase inteiramente lotado, muitos mochileiros deitavam-se sobre 3 ou 4 lugares contíguos, fingindo dormir, e ocupavam outros tantos assentos com suas mochilas enormes. Fiquei aturdida por um momento, sem saber o que fazer, e acabei por deixar as boas maneiras de lado e resolvi o problema como muitos outros: jogando no chão as mochilas alheias e empurrando para baixo as pernas dos desencanados. Bem difícil saber se o folgado em questão iria entender a lingual que falávamos, mas entenderam muito rapidmente os olhares ferozes e os grunhidos pronunciados em qualquer outro idioma.
No barco, nenhuma lanchonete, nenhum bebedouro; quase meio-dia e nós apenas com bolachinhas e uma garrafa d’água, sem nenhuma idéia de quanto duraria a viagem. Bem, pelo menos eu não tinha idéia, pois minha filha me avisou que a travessia durava cerca de duas horas e meia.
Muitos dos mochileiros agora apoiavam-se uns nos ombros dos outros e pareciam dormir, completamente chapados, exaustos ou drogados.
De todos os lados, apenas se enxergava o oceano. Quase uma hora depois, reparei que havia, por todos os lados, cordas e bóias na água, e pontinhos, centenas, milhares de pontinhos, que aos poucos se revelavam embarcações: canoas, barquinhos a remo, barquinhos a motor, com ou sem cobertura, embarcações maiores, e nenhuma terra à vista. Eu pensava aonde se aventuravam aquelas pessoas, em alto mar, em tão frágeis embarcações, sem saber que, no dia seguinte, eu estaria em uma daquelas trilhas marítimas aventureiras, como um explorador primitivo.
E, de repente, a natureza lembrou-me da necessidade premente de urinar. Sim, havia um banheiro no barco, ou, pelo menos, uma placa onde se lia ‘toilettes’.
Meio ressabiada, enfrentei o desconhecido. Por detrás da porta de madeira, encontrei um amplo aposento, com janelas abertas para o alto mar, o que não chegava a incomodar, já que apenas as gaivotas espiariam ou entrariam por ali, cheirando tão mal como qualquer  banheiro rural; de um lado um buraco aberto em um tubo de um material indefinível, por baixo de uma descarga rudimentar, daquelas de cordinha, nenhum papel higiênico e, evidentemente, nada que se parecesse com uma pia.  
Eu sempre carrego comigo, em viagens, apetrechos essenciais, para emergências corriqueiras como esta.
Nem por isso deixei de rir ao ver, do outro lado, pendurada sobre um tonel enorme, cheio de água esverdeada, uma concha de plástico bem degastada pelo uso, e, enquanto imaginava quantas pessoas haviam se utilisado da tal concha, e de que maneira haviam tentado limpar as mãos sujas com aquele líquido imundo, eu dava graças pela engenhosidade moderna, que colocava ao alcance de qualque mulher em apuros como esse, uma preciosidade, da qual não abro mão em nenhuma viagem: lencinhos de papel umidecidos.  

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